Wednesday, March 01, 2006

Sessão de atormento de almas alheias desejosas de encontrar a verdade universal sobre a natureza da vida, do universo, e de todo o resto, parte I.



A resposta para a vida, para o universo e para todo o resto é 42. Isto é um facto óbvio e todas as pessoas estão cientes disso (ou ao menos os devotos de Douglas Adam).
Aparte este facto, também poderia dizer que a resposta para tudo está no livro de São Cipriano, assim como diria que está na Bíblia, no Corão, nos ensinamentos de Buda, nos Morangos com Açúcar e no rolo de papel higiênico perfumado de face dupla ali na casa de banho. Obviamente que algumas verdades são mais verdades que outras: é muito mais fácil crer no rolo de papel higiênico que tanto diz sobre a nossa natureza do que no livro de São Cipriano, a não ser que este seja feito de papel higiênico e tenha a mesma finalidade que este.

Pensemos antes em três questões:

A prova da veracidade de uma ideia implica a falsidade nas ideias contrárias?
A prova da não-veracidade de uma ideia implica a sua falsidade?
É-nos vantajoso classificar ideias em verdadeiras\não verdadeiras?

Obviamente que no senso comum existe uma linha muito bem delineada entre verdade e mentira. Se eu fiz algo, eu o fiz e pronto! Afirmar o contrário seria contraria a verdade, e logo, seria uma ideia falsa. Mas esta ideia não se aplica a todas as questões, podemos pensar num famoso paradoxo:
Imaginemos um relógio fechado em que não se tem acesso ao seu interior. Consigo observar o relógio, e através das observações ver quais são as consequências palpáveis do mecanismo interno do relógio, mas não consigo fazer nenhuma observação directa ao seu mecanismo em si, pelo que a minha concepção do seu funcionamento ficará limitada única e exclusivamente ao modelo que para ele conceberei.
Posso imaginar um modelo que explique o funcionamento do relógio de uma forma A, e desde que este modelo se ajuste às observações, posso afirmar a sua veracidade. Mas também posso conceber um modelo B que parte de pressupostos completamente opostos e que também se ajustam às observações. Qual dos modelos estará certo?
Caso eu afirme a veracidade de um dos modelos, não poderei simplesmente afirmar a falsidade do outro, visto que ambos têm o mesmo grau de precisão na apreciação da realidade. Mas também não posso assumir a veracidade dos dois modelos visto que ambos são contrários no que toca às suas estruturas. Sendo assim, chego a um impasse, concluindo que não posso afirmar a veracidade de um modelo pela forma como explica, mas posso sim julgar o grau de precisão nas explicações que dá, dando vazão a existência de várias "verdades" divergentes.

Agora imaginemos que o relógio começa a ser submetido a variações bruscas de temperatura. De repente os modelos que concebi começam a falhar e as suas previsões teóricas deixam de concordar com as observações, e neste ponto, posso concluir a não veracidade destes modelos. Introduzo então uma transformação onde passo a incluir elementos nestas ideias que fazem com que ela permaneça condizente com as observações, mas que pode ser exprimida da forma anterior para casos específicos de temperaturas normais. Sendo assim, o modelo será falso por não ser verdadeiro?
Posso não poder concluir a sua veracidade, mas também não posso concluir a sua falsidade, porque como visto, ele nos fornece resultados precisos em determinadas condições. Sendo assim, este modelo pode ser tido como verdadeiro sob determinadas condições, e estando limitado a estas fronteiras que lhe foi imposta.

Desta forma, visto que nunca teremos acesso à verdadeira natureza do objecto em questão, nunca poderemos assumir a completa veracidade dos modelos que criamos para explica-lo, e mesmo os modelos mais precisos a primeira vista terão sempre uma limitação intrínseca. Todos os modelos serão, então, verdadeiros e falsos ao mesmo tempo, pelo que o conceito de verdade em nada ajuda à classificação dos modelos, pelo que posso sempre recorrer ao conceito de limitado\não limitado.
As limitações são a maior dádiva que Deus nos deu. Graças à minha incapacidade em conhecer ao certo a realidade que me rodeia, fujo sempre às verdades, pelo que terei a certeza que todos os modelos construídos por mim serão limitados e por isso, terão de ser revisionados um dia. E é este o princípio que garante a não-estagnação do conhecimento, já que ao assumir que podemos possuir verdades absolutas, estamos na eminência de criar dogmas: modelos que dão não podem ser contestados.
Mas caso deixemos de considerar o conceito de verdade e passemos a servir-nos da limitação dos modelos, podemos sim classificar um dogma: estes sempre está limitado a si próprio, pelo que não posso extendê-lo ou especifica-lo a qualquer observação palpável, visto que uma contra-observação de hipotéticas previsões de um dogma poderiam por em causa a sua veracidade.

Assim, chegamos à conclusão de que todos os modelos são igualmente válidos desde que estejam em conformidade com a realidade observável, e desta forma não faz sentido falar na veracidade de um modelo, visto que todos têm um grau de limitação intrínseca. Sendo assim, posso classificar um modelo consoante a sua extensão e limitação, pelo que me interessa buscar então quais as falhas neste modelo que fazem-no ser limitado. Como não tenho verdadeiro acesso à natureza dos fenómenos que observo, esta busca será interminável e culminará numa assímptota, onde nos aproximaremos cada vez mais e cada vez com maior lentidão a um modelo que explique com coerência todos os factos observáveis.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Hey there. Não sou a pessoa mais inteligente do mundo, mas vê-se (a léguas diga-se) que tu és extremamente inteligente, e já os teus posts no flog são geniais e tens sempre as tuas ideias bem estruturadas... Mas algo que acho triste é que tenhas 1001 pessoas a comentar "tão giro!!! awww tão fofo, queres-me comer?" e nenhuma a admitir o teu génio e a ler os textos com "olhos de ver"... Epa é naquela, acredito que não seja mau porque toda a gente gosta de elogios, mas ás vezes até a mim me irrita um bocadinho que ninguém "olhe" para os textos :x talvez sejam muito "á frente" para a maior parte das pessoas, who knows...

Enfim, acerca do texto:

Excelentes exemplos para explicares que não podemos ter uma ideia perfeita e totalmente verdadeira de nada. Qualquer pessoa pode ter a sua interpretação das coisas, e mesmo crendo cegamente nas nossas verdades, elas só serão verdades para nós, porque vamos ser só nós a acreditar nelas. Podemos converter pessoas ás nossas verdades, sim... Mas a não ser que inventem uma máquina de controlo mental, há sempre de haver quem pense por ele próprio... Parando aqui bruscamente, não tenho muito tempo, mas este é um tema sobre o qual podia ficar a falar durante horas... Grande post, mesmo... Estás muito á frente... Tão á frente que poucos perdem tempo a ler, e esse é o grande problema da maior parte das pessoas, preferem dizer só "ele é esperto :D" nem que dissesses as coisas mais descabidas do mundo, bastava estarem bem estruturadas que ninguém lia.

Fica bem, continua assim.

4:49 AM  
Blogger G. said...

Fico extremamente agradecido com o comentário!! Muito muito obrigado pelas palavras.

É verdade, às vezes sabe bem ter o ego acarinhado, mas na realidade não há melhor satisfação do que ser reconhecido por aquilo que somos, ver as nossas ideias terem repercussões e serem criticadas/discutidas, ver que afinal aquilo que disse serviu para algo!

Pois, exactamente! É nessa ideia q se assenta o conceito de acreditar... Pena é que por regra geral as pessoas acabam por se deixar levar em comodismo e são muito facilmente influenciáveis, assimilam logo dogmas próprios e têm medo de mudar, pensar por si próprias!

Bem gostaria que minhas palavras tocassem mais pessoas, mas pouco a pouco vamos lá! :D E obrigado novamente pelas palavras e pelo tempo dispensado em ler/comentar! :)

9:27 AM  

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